quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma vida de retalhos

* A PRIORI * Há muito tempo não escrevo aqui. Ocorreram muitas coisas que me fizeram parar de escrever, teve a faculdade, o namoro, festas, família, preguiça e, o principal de tudo, apenas não tinha vontade, mesmo quando eu queria. Esse ano espero fazer diferente e, para não ter como voltar atrás, fiz promessa de ano novo que ressuscitaria isso aqui. E não foi vontade própria, recebi motivações de uma amigo muito querido e de uma amiga que sente saudades de ler o que escrevo.
Para começar vou postar o meu primeiro perfil jornalistico, cujo qual estou bestinha pela nota que ganhei (risos). Mas só escolhi publicá-lo aqui pelo motivo do meu perfilado ser minha avó materna, que sua história era, praticamente, desconhecida por mim até o dia da entrevista. Espero que gostem!!

Uma vida de retalhos.

A história da artesã Maria Dapaz.

Há muito tempo conheço essa senhora de 67 anos, conhecida por Dapaz é artesã desde 1976, começou com almofadas de crochê em formato estrela, variou muito entre cama, mesa e banho até se encontrar nas colchas de retalho, que lhe deu fama em sua área. Já viajou, praticamente, o Brasil todo para participar das feiras de artesanato e foi convidada seis vezes para a Sala dos Metres na Feira Nacional de Negócios do Artesanato, Fenearte, em Recife. Porém, nunca aceitou o convite. Quando perguntei o motivo de não aceitar, ela abriu um leve sorriso e disse: todos como Dapaz. Ela sempre foi muito agitada em tudo, no modo de falar, de andar e essa característica passou para as filhas e para algumas netas. Mas, quando entrei na sala e a vi concentrada costurando, foi o único momento que a senti tranquila e despreocupada.

- Prefiro não participar da Sala dos Mestres. Gosto de ficar no stand, é mais próximo

do público e vendo mais.

Conhecida por muitos na cidade de Petrolina, Dapaz teve seis filhos e pouca gente sabe que ela só se tornou artesã para sustentá-los. O primeiro assunto que conversamos na entrevista foi sobre a história dela e o que a motivou a ter o artesanato como sustento. No momento, ela ficou pensativa, surgiram lágrimas em seus olhos, mexeu nos cabelos despenteados e me perguntou:

- Você sabe que meus filhos não sentem carinho por mim?

Fiquei triste com a revelação, mas curiosa. Porém, disse que não sabia e não a interr

ompi. Pouco a pouco, ela me contou sobre os filhos e, às vezes, com a feição nostálgica, pensativa demais e com alguns silêncios ela revelou os detalhes do que viveu.

Nascida em Caicó, no Rio Grande do Norte, no ano de 1944, Maria Dapaz era a segunda de quatro filhos, que viveram felizes até quando ela tinha 11 anos, pois seu pai deixou a família e fugiu com outra mulher. Sua mãe, por não saber como tomar conta da casa sozinha e ainda com a raiva de ser abandonada, acabou enlouquecendo e, ao passar dos anos, rejeitou os filhos.

- Manoel, meu irmão mais velho, logo arranjou um trabalho. E todos os dias pedia a Deus que me mostrasse algo para fazer. Até que um dia, fui a um casamento no Hotel de minha tia em Souza, Paraíba. Contou com o jeito agitado de sempre, porém triste.

Ao continuar, notei o quanto lembrar o passado a deixou um pouco infeliz, entretanto prosseguiu com sua história. Com 14 anos, Dapaz começou a trabalhar no hotel de sua tia, no início só ficava na cozinha, depois passou a ser garçonete. Um ano depois, namorou um homem de 30 anos, chamado Adefácio. Levada pela promessa de casamento, a jovem Dapaz se envolveu demais e ficou grávida. Sua primeira filha Adefânia nasceu quando ela tinha 16 anos. Adefácio não se casou com o argumento de “garçonete de hotel é rapariga”, mas levou a filha para uma tia criar.

Nesse momento, a história se interrompeu com um silêncio. Depois ela levou à mão a boca e com expressão de dor, disse:

- Eu queria tê-la criado, mas não tinha condições. Já morava com minha tia e quando fui visitar minha filha ela estava apegada demais com a família dele.

O tempo cuidou de suavizar a dor, e hoje mãe e filha tem um bom contato. Dapaz sorri ao lembrar da primeira filha.

- Hoje, tenho um contato bom com ela. Adefânia me liga uma vez na semana e sempre que vou a Souza gosto de ir à casa dela.

Ainda curiosa, perguntei sobre o casamento e dos outros filhos. Ela, com um tom de saudade, começou a falar sobre José Batista ou Galego como o chamava. Eles se conheceram no hotel da tia, quando ela estava com 21 anos, se casaram, mesmo contra a vontade do pai dele, e tiveram quatro filhos, três meninas e um menino. Risolane a mais velha tinha problema de epilepsia, depois de seis anos nasceu Patrícia, logo viera

m Petrúcia e, por último, José Batista Filho. Em 1974, José, depois do trabalho, foi com os amigos para um bar, onde ocorreu um acidente. O esposo de Dapaz caiu de dois andares.

- Quando cheguei ao hospital, ele só tinha um corte na testa e outro no nariz. O médico deu uma injeção e depois de umas horas ele começou a se bater e me desesperei. Estava grávida de quatro meses do mais novo e meu marido morreu nos meus braços.

Ficou em silêncio e notei seus olhos se enchendo de lágrimas ao lembrar a morte do marido, depois continuou: - O médico disse que foi hemorragia interna. Galego era tão bom, não faltava nada lá em casa. Era um ótimo pai e excelente esposo. Sonho com ele até hoje.

- Foi a partir disso que a senhora começou com o artesanato?, perguntei.

- No início, o choque foi grande e não recebi ajuda da família dele. Como não era casada no civil, tive que ir ao tribunal com testemunhas para comprovar que era casada, para assim receber a

pensão. Minhas vizinhas me ajudaram muito com meus filhos.

Se recuperando da tristeza contou com detalhes como começou a ser artesã. Desde pequena

Dapaz aprendeu a costurar e na adolescência, quando morava com a tia no hotel, bordava e fazia ponto cruz com as primas. Entretanto, só se dedicou ao artesanato já viúva. Em uma viagem para Recife, onde levou Risolane para fazer um tratamento por causa da epilepsia, Dapaz conheceu uma senhora que a ensinou a fazer crochê. Já de volta para casa, ela se dedicou a fazer almofadas de crochê em formato estrela. Com muito material para vender, fez amizade com outras artesãs e começou a viajar com o intuito de vender sua arte.

Em uma dessas viagens, Dapaz chegou a Petrolina. Adorou a cidade, viu que era diferente de Souza e que não existia preconceito. Logo quando chegou, no início da década de 1980, conheceu a mãe de Fernando Bezerra Coelho, Dona Enizete, que comprou as colchas e almofadas de crochê de Dapaz.

De volta a Souza, Risolane estava depressiva, até que um dia cometeu suicídio. Muitos dizem que não é fácil enterrar um filho, que a lei natural é os filhos enterrarem os pais. Com muita emoção, Dapaz me revelou isso e continuou:

- Não sei o que a levou a fazer isso. Risolane era tão bonita e estava com 18 anos. Acredito que ela não aguentou o preconceito da cidade. Muitas vezes vi o povo a chamando de doida, maluca por causa das crises epilépticas, isso me doía muito. Mas nada comparado à dor que tive quando a vi no chão do quarto.

Com um tom triste afirmou: - Até hoje me doí e me culpo por não está sempre presente em casa, mas eu precisava sustenta-los, não queria que minhas filhas acabassem trabalhando como garçonete ou na casa dos outros, como trabalhei.

Aos poucos, ela foi voltando ao seu jeito agitado de falar e narrou sua chegada a Petrolina. Logo após a morte de Risolane, Dapaz decide morar em Petrolina. Quando chegou se casou e fez amizade com Ana Maria, esposa de Osvaldo Coelho, que a apoiou no artesanato, levando tecidos à Dapaz para ela fazer toalhas de mesa com bicos de crochê e pintadas, mas, além das toalhas, ela começou a fazer lençóis e a fazer a famosa colcha de retalho. Na época, os artesãos ficavam na rodoviária de Petrolina, expondo seus trabalhos.

Em 1985, Dapaz adotou uma menina de oito meses chamada Luciana. Filha de uma conhecida que não podia criar a menina, ela viu na pequena Luciana uma forma de consolar a dor que sentia pela morte de Risolane.

- Às vezes chamo Lulu de Risolane, fala rindo. Mas nada é substituível, o amor que sinto por Luciana é diferente pelo que sinto por Risolane. Luciana é minha filha de coração, é a que mais liga para mim e me visita. Conta em tom nostálgico.

Antes de ela mudar de assunto e contar sobre a fundação da Casa dos Artesãos Mestre Quincas, ela faz uma pausa, pega um pouco de comida que trouxe e dar para os gatos que nos observavam. No final da década de 1980, o grupo de artesãos que ficavam na rodoviária fez uma associação e junto com a prefeitura foi fundada a Casa dos Artesões de Petrolina, onde hoje todos vivem como uma família. Assim como Dapaz, os outros artesãos chegam às oito horas da manhã e saem às cinco da tarde todos os dias. Na casa, eles trabalham, conversam, brincam e preparam as refeições juntos. Pergunto se ela gostaria de se aposentar e me disse rindo:

- Penso às vezes, mas é bom estar aqui. Por causa de alguns problemas pessoais, fiquei depressiva e já tentei me matar duas vezes, e além da vontade de ver meus netos criados, o que me deu força foi meu trabalho. É aqui que tiro meu sustento e fico em paz. Hoje, minhas filhas sabem fazer crochê, bordado e costuram. Patrícia herdou mais o dom, pinta e costura divinamente e Petrúcia é ótima nos negócios.

Com muito orgulho, Dapaz finaliza nossa conversa falando dos filhos e dos netos. As filhas que ela lutou tanto para não trabalharem em casa de família e como garçonetes, hoje são casadas e trabalham com vendas. O filho se tornou caminhoneiro e passou pouco tempo em Petrolina, preferiu morar em Souza com as vizinhas que o criaram. E seus netos, a maioria meninas, duas se formaram em Direito, três estão na faculdade estudando Jornalismo, Administração e Arquitetura e os outros são novos e ainda estão no colégio. E voltando a pergunta inicial que me fez conclui:

- Meus filhos podem não sentir carinho por mim, pois preferi trabalhar a ser uma mãe presente. Me arrependi muito de muitas coisas, mas isso acredito que fiz certo. Não faltou comida para eles e por mais que a vida tivesse sido difícil, hoje estão todos bem.

Emocionada, volta a costurar. E a conversa se encerra aqui.

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